Quando José reconheceu sua gravidez, mal pôde suportar aquilo, pois não sabia do grande mistério. Foi por isso que ele se encheu de tristeza, pois era um homem justo e ponderou que, se permitisse a ela permanecer em sua própria casa, isto seria transgredir a Lei e provocar suspeita contra si mesmo. E, do mesmo modo, compreendeu que expô-la e entregá-la aos sumos sacerdotes para a punição seria cruel; assim, em razão de sua grande virtude e sua vida piedosa, ele a poupou e teve misericórdia dela. Decidiu, então, mandá-la embora de casa em segredo (cf. Mt 1, 19). E enquanto ele nisso refletia, eis que um anjo do Senhor apareceu a ele em sonho e disse: “José, filho de Davi, não tenhas medo (Mt 1, 20) por ela, nem da parte de Deus, nem da punição da Lei, nem de ser alvo de suspeitas errôneas acerca de Maria, que foi a ti entregue como esposa, de acordo com os costumes dos homens e das mulheres”. O anjo chamou de esposa a sua noiva, mas ela não lhe havia sido dada como esposa, à maneira das outras mulheres: de modo algum! Ao contrário, ela fora entregue à sua guarda como um tesouro divino consagrado ao Senhor.
“Não temas que ela permaneça em tua casa, pois aquele que nascerá dela vem do Espírito Santo. E ela dará à luz um filho, e tu o chamarás Jesus, pois Ele salvará dos pecados o seu povo” (Mt 1, 20–21).
Com estas palavras, o anjo dissipou o medo que acometia José, e introduziu outro medo muito maior, para que ele temesse e respeitasse a Virgem Santa ainda mais, como alguém cheia do Espírito Santo e Mãe segundo a carne do inefável1 e inalcançável Filho, que nasceu antes dos séculos e virá salvar seu povo do pecado, pois foi para isso
que Ele desceu dos céus à terra, o rei benigno; para nos salvar, nós que o glorificamos e que n’Ele cremos, da servidão do pecado e da tirania dos demônios malignos.
Assim se cumpriu a profecia do patriarca Jacó, que disse: “No declínio dos governantes e chefes de Judá, virá a esperança a todos os gentios” (cf. Gn 49, 10), ou seja, Cristo, o Rei, que é verdadeiramente a esperança dos gentios e também dos judeus que crêem no seu santo nome. Pois nem todos os que vêm de Israel são de Israel (cf. Rm 9, 6), mas sim aqueles que receberam a pregação do Evangelho, como escrito acima. E assim também Simeão nos informa, pois a Ele chamou luz que ilumina os gentios, e para a glória do povo de Israel que acreditou, e assim o chamou de salvação de todos os povos: “Os meus olhos viram a tua salvação, que preparaste na presença de todos os povos” (Lc 2, 30–31). Mas por que diz Jacó “no declínio dos governantes de Judá”, já que veio o próprio Senhor, que é o Governante2 e Chefe de todos e o verdadeiro Rei, e apareceu vindo da tribo de Judá? Fica, portanto, claro que a profecia do patriarca não se referia a um reino espiritual, mas ele falara de reis mortais e de governantes mundanos. É também por essa razão que diz o Senhor: “Meu reino não é deste mundo” (Jo 18, 36), ainda que, por fim, quando os reis de Roma dominavam completamente a Judéia (cf. § 59), foi dado ao Salvador o domínio sobre os romanos e sobre todos os gentios que creram em seu santo nome. Não falo apenas do reino natural de sua divindade, daquele que é Rei e Senhor nos séculos dos séculos, mas da submissão voluntária a Ele por todos os que crêem, pois Ele chamou todos aqueles que se submeteram ao seu reino pelo mesmo nome: o de cristãos. Este é, sem dúvida, o verdadeiro e honroso nome que por Ele nos foi dado. Assim, naquela época em que toda soberania e toda hegemonia dos judeus fora diminuída, e concedido o domínio sobre o mundo inteiro ao imperador romano, como diz o Santo Evangelho: Naqueles dias surgiu de César Augusto um decreto de que o mundo inteiro devia ser submetido ao censo (Lc 2, 1), então nasceu o verdadeiro Rei e Salvador do mundo inteiro. E, assim, a sua Providência ordenou que a soberania dos judeus fosse muito diminuída, e que fosse dado aos romanos o poder absoluto de dominação. E eles subjugaram3 os hebreus com cetro de ferro (cf. Sl 2, 9), que é o domínio dos romanos, pelo qual os judeus foram esmagados4 depois da Paixão e Ressurreição de Cristo, e devastados por um perpétuo cativeiro. Assim, a Providência de Cristo fez com que os romanos dominassem os judeus, mas Ele mesmo reinou sobre os romanos, sobre todos os gentios, sobre os judeus que creram, e reina sobre todas as criaturas eternamente.
O censo e o decreto de César Augusto
No entanto, esses acontecimentos visíveis simbolizavam mistérios invisíveis. O censo era um símbolo de outro censo, pois o governo de César sobre todos era sinal do governo único do Deus único e verdadeiro, Rei de todos. E o censo representa a submissão voluntária de todos, e o censo nos céus, a de todos aqueles que a desejam. E como a ordem se destinava ao mundo inteiro, assim também a pregação de Cristo alcançou a terra inteira (cf. Sl 18, 5); e cada um dos que foram à sua própria cidade era símbolo do retorno de todos ao seu lar de origem e cidadania, do qual fomos expulsos e dispersos por várias terras e ocupações. E o imposto que todos pagavam ao imperador era símbolo da dívida que todos nós temos em oferecer frutos espirituais a Deus, por meio das boas obras, dos atos nobres e dos pensamentos piedosos. Assim, então, pela Providência divina, o censo obrigou José a ir à sua terra natal, da Galiléia à Judéia, de Nazaré a Belém, para que se cumprissem as profecias: a de que ele será chamado Nazareno (Mt 2, 23) e a de que o Messias viria de Belém (cf. Mt 2, 6); pois a Anunciação ocorreu em Nazaré, e a maravilhosa Natividade se deu em Belém. Vemos, pois, a dupla humildade do Rei pródigo de riqueza que se tornou pobre para o nosso bem, pois Nazaré era uma cidade comum, da qual jamais surgira um profeta: como disse Natanael, “pode algo de bom vir de Nazaré?” (Jo 1, 46). Mas Belém, embora tivesse sido honrada pelas palavras do Profeta, em tudo o mais era pobre e humilde, e por isso o Profeta a consolou, dizendo: E tu, ó Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre os governantes de Judá, pois de ti surgirá um chefe que apascentará o meu povo de Israel (Mt 2, 6; cf. Mq 5, 2). José era cidadão dessa Belém, e como muita gente se mudava da terra natal para outras terras ou cidades, assim também José quis estabelecer-se em Nazaré. E enquanto ali esteve, a Virgem Santa Maria foi-lhe entregue como noiva pelos sacerdotes, em razão de sua probidade e honestidade, e ali o arcanjo trouxe a inconcebível e gloriosa Anunciação.
Quando foi promulgado o decreto de César Augusto que ordenava contar todas as terras, e cada pessoa era contada na própria terra natal, José saiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, na cidade de Davi, que é chamada Belém, pois ele era da casa e da família de Davi, para ser recenseado com Maria, que era sua esposa (Lc 2, 4–5). Ela havia concebido do Espírito Santo, e a hora de seu parto estava próxima; mas o decreto do imperador também exigia que Maria fosse a Belém, pois também ela era da casa e da família de Davi, e a Providência de Deus a conduziu a Belém. Porque a ordem que José acabara de receber do anjo o tornou zeloso em servir Maria com reverência, por essa razão seus outros parentes e familiares foram enviados à frente, e ele mesmo partiu devagar, com Santa Maria e as de sua casa. E quando chegaram a Jerusalém e a Belém, aproximou-se a hora da Natividade, maravilhosa além de toda compreensão. No entanto, porque muita gente se reunira para o censo, e os lugares e casas de Belém já estavam ocupadas, eles se alojaram6 numa gruta de Belém (cf. Proto-Evangelho 18, 1). Eis a provação e o exílio do dominador de todas as criaturas: nenhum lugar, nenhum abrigo foi encontrado para Ele. Assim, pois, o inabarcável e ilimitado coube numa pequena gruta e numa imprópria manjedoura, e o Verbo de Deus, que não tem início e não pode ser contido, o Criador do mundo inteiro, estava guiando sua Mãe à gruta de Belém, como diz o Santo Evangelho: E aconteceu que, enquanto lá estavam, cumpriram-se os dias para o seu nascimento, e ela deu à luz seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles no albergue (Lc 2, 6–7). E o Rei do céu e da terra foi envolto em faixas. Ó gloriosa maravilha! Aquele que tudo nutre foi nutrido com leite, e aquele que tudo recenseia foi recenseado. Cumpriu-se então a profecia de Davi acerca de Belém e do nascimento do Senhor, como ele diz: Não darei sono aos meus olhos, nem repouso a minhas pálpebras, nem descanso ao meu corpo, até encontrar uma casa para o Senhor, e um lugar de abrigo para o Deus de Jacó. Vede, ouvimos falar d’Ele em Efrata; encontramo-Lo no campo da floresta (Sl 131, 4–6). Disse isso acerca de Belém, onde ocorreu o nascimento do Senhor. Foi por isso que ele acrescentou: Entraremos no lugar onde Ele habita; veneraremos o lugar onde seus pés estiveram (Sl 131, 7). Glória à sua imensa humildade! Quem contará os poderes do Senhor e fará ouvir9 todos os seus louvores?
O nascimento do menino Jesus
Na hora do nascimento do Senhor, a valorosa Isabel, mãe de João, o Precursor e Batista, não estava ausente, pois sua ida à montanha com seu filho ainda não acontecera (Proto-Evangelho 22, 5–9). Mas como fora uma profetisa e testemunha da concepção da Virgem Santa, assim também ela acompanhou e testemunhou a gloriosa Natividade; e, depois, foi também testemunha e proclamadora de sua virgindade. Ela estava cheia de alegria e considerou a inefável Natividade um maravilhoso dia de festa. Então o muro divisor do bastião fortificado foi derrubado, a irreconciliável animosidade foi destruída (cf. Ef 2, 14–16) e a paz e a alegria se espalharam pela criação. Deus se tornou um ser humano, e uniram-se o céu e a terra. Reuniram-se os anjos por sobre os pastores, e os pastores foram iluminados pelos anjos e se alegraram com o grande anúncio, e viram o bom e benévolo pastor como um cordeiro imaculado nascido na caverna. A terra ouviu os louvores do céu, e os habitantes do céu se rejubilaram com a paz na terra e a boa vontade entre os homens. No entanto, quando os pastores sentiram medo e terror ante a maravilhosa visão, o anjo de luz dissipou o seu temor e lhes trouxe a alegria.
Não temais, pois eis que eu vos trago boas novas de grande júbilo para todo o povo. Pois hoje nasceu para vós, na cidade de Davi, um salvador, que é Cristo, o Senhor. E este será um sinal para vós: encontrareis uma criança envolta em faixas deitada numa manjedoura.
E de repente estava com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus e dizendo: “Glória a Deus nas alturas, e na terra paz e boa vontade entre os homens” (Lc 2, 10–14). Pasmos com aquela visão e aqueles sons fantásticos, os pastores seguiram à noite em direção a Belém, para verem o Salvador, a Luz de todas as coisas. Reuniram, então, muitos dentre seus parentes e conhecidos, e estes se admiraram com as palavras dos pastores (cf. Lc 2, 15–18).
Mas Maria guardava essas coisas e refletia sobre elas no seu coração (Lc 2, 19), não só acerca dos pastores, mas aquelas coisas que foram vistas e ouvidas desde o começo no templo e depois do templo, a Anunciação pelo anjo, a concepção sem semente, o nascimento sem dor e a virgindade depois do nascimento, isto é, ela não somente evitou as dores da maternidade e, tendo-se tornado mãe, foi preservada como virgem, mas também não padeceu o nascimento. Eis aí a economia das obras divinas e a transformação das naturezas, pois o maravilhoso Filho não revelou à Mãe Imaculada o conhecimento de seu nascimento e, num instante, Ele foi visto inexplicavelmente fora do ventre e deitado em seu colo; e como a sua concepção ocorreu sem semente e sem sintoma, assim também o nascimento ocorreu sem corrupção e sem sintoma. O orvalho sobre o velo (cf. Jz 6, 36–40) foi um símbolo da gloriosa e assombrosa Natividade, mas a realidade era mais alta que o símbolo, pois embora o orvalho tivesse caído em silêncio e por si só sobre o velo, não foi por si só torcido para fora do velo, mas por mãos humanas. Mas assim como o orvalho divino, que dá vida a tudo, entrou no ventre santo da Virgem em silêncio e sem dor, assim também Ele não revelou sua inefável chegada à Mãe Imaculada, mas se vestiu de carne humana por ela e, assim, nasceu de modo complacente e sobrenatural aquele que não revelou seu nascimento, não só aos outros, mas até à própria Mãe. Tais eram os prodígios inefáveis e inalcançáveis que a Santíssima Maria conservava no coração e sobre os quais refletia, e em tudo isso ela estava contente por ter o verdadeiro Deus nascido dela, Aquele que fez sua imaculada e graciosíssima Mãe bendita entre todas as gerações e a glorificou no céu e na terra, e a fez ser louvada por todos. Assim, pois, no glorioso nascimento do Senhor a grande alegria foi anunciada aos pastores, e eles vieram a Belém e contaram a todos o que tinham visto e ouvido acerca da gloriosa criança, e aqueles que ouviam se admiravam com o que os pastores lhes diziam (Lc 2, 18).
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Visita dos magos ao menino Jesus
Então, de repente, eis que os Magos chegaram do Oriente, guiados por uma estrela, para significar que Aquele que nascera era Senhor do céu e da terra. E essa estrela não era uma das estrelas do firmamento, mas um poder vindo do céu que aboliu completamente o engano da astronomia e aniquilou as trevas de tal ignorância, pois sua trajetória não era como a das outras estrelas, mas se movia devagar, de acordo com o passo daqueles que ela guiava. E ora ela se movia, ora parava; e ora aparecia a eles, ora se escondia. O seu caminho era de norte a sul, pois é o itinerário da Pérsia à Judéia. E não apareceu no céu, mas seguiu próxima à terra até uma pequena aldeia e apareceu ante a pequena gruta. E, o que é o mais grandioso, ela brilhava não só à noite, mas mesmo durante o dia, a ponto de cobrir a luz e o disco do sol, não por um ou dois dias, mas até chegarem os Magos da Pérsia a Jerusalém e a Belém.

No entanto, ela lhes apareceu não no nascimento do Cristo, mas muito antes, fazendo calar-se aqueles que prediziam o momento da Natividade. Foi por isso que ela apareceu muito tempo antes; e fez com que os seus corações tivessem fé no nascimento do Rei e os levou a empreender aquela longa viagem. E, assim, determinava o tempo de viajar e o tempo de parar, para que eles encontrassem o Rei da glória deitado numa manjedoura. Nada disso pertence à natureza, nem ao caráter de uma estrela, mas era evidentemente um poder racional que compreendia cada pormenor e deliberadamente os guiava sob o poder e o comando do criador e cuidador de todas as coisas.
E não foi em vão que ela os levou a Jerusalém e, quando eles chegaram a Jerusalém, sumiu. Tal acontecimento foi ordenado por duas razões. Em primeiro lugar, para que o mistério fosse revelado a todos os habitantes de Jerusalém; e ele foi revelado pela busca e pela pergunta dos Magos, ao dizerem: “Onde está o rei dos judeus que acabou de nascer? Pois vimos a sua estrela no Oriente e viemos venerá-Lo” (Mt 2, 2). Esta é a razão, também, pela qual a cidade inteira se perturbou e Herodes se aterrorizou com aquelas palavras (cf. Mt 2, 3). Em segundo lugar, para que até mesmo os inimigos, os escribas e os fariseus, testemunhassem e revelassem o lugar e a hora do nascimento do Senhor, para que introduzissem a profecia que diz: E tu, ó Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre os governantes de Judá, pois de ti surgirá um chefe que apascentará o meu povo de Israel (Mt 2, 6; cf. Mq 5, 2). Pois os outros chefes foram governantes segundo a honra carnal, mas não foram pastores, porque não dariam a vida pelo rebanho (cf. Jo 10, 11). Mas este é o verdadeiro pastor, porque guiou o rebanho que o segue no caminho da vida até os pastos do paraíso, e que dá a vida pelas ovelhas (Jo 10, 11).
Vejam, pois, como eles juntam as palavras do Patriarca Jacó e do Profeta Miquéias: pois este último disse que o Senhor viria de Belém, mas o primeiro predisse que durante o enfraquecimento e o declínio dos chefes de Judá surgiria a esperança de todas as nações (cf. Gn 49, 10; Mq 5, 2). Ao ouvirem os Magos essas palavras, eles as confirmaram ainda mais pelo surgimento da estrela e proclamaram a Cristo como verdadeiro Rei. É por isso que Herodes se apavorou, porque tinha sede de poder e temia que aquilo pudesse ser ocasião da queda de seu reino e domínio, pois estava repleto de estupidez. Foi também por isso que ele reuniu os sumos sacerdotes e escribas e lhes perguntou onde devia nascer o Cristo (Mt 2, 4).
No entanto, eles maldosamente revelaram algo e esconderam algo. Revelaram que Cristo deveria nascer em Belém, como diz o Profeta: E tu, ó Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre os governantes de Judá, pois de ti surgirá um chefe que apascentará o meu povo de Israel (Mq 5, 2); mas ocultaram as palavras seguintes do Profeta, que dizem: Sua geração é desde o princípio, desde os dias eternos, porque já desde aqueles tempos eles se enchiam de inveja do Cristo e não queriam reconhecê-Lo como Deus. E por isso ocultaram as palavras que prediziamsua glória, pois os seus olhos estavam intencionalmente fechados e seus ouvidos tampados para ver e ouvir a verdade (cf. Is 6, 10). Herodes, no entanto, cheio de malícia, mandou chamar secretamente os Magos e lhes perguntou sobre o Menino Rei, mentindo ardilosamente ao prometer venerá-Lo quando encontrassem o Rei dos Reis e lhe dissessem onde Ele estava (cf. Mt 2, 7–8). Assim, pois, o nascimento do Senhor foi revelado a uns pelos outros: aos judeus pelos Magos e pelo surgimento da estrela; a Herodes, tanto pelos judeus como pelos Magos; e os Magos ficaram ainda mais convencidos quando ouviram a proclamação do Profeta e quando viram os ciúmes e o temor de Herodes. Mas quando partiram de Jerusalém, de repente sua estrela-guia tornou a aparecer, mais próxima e mais brilhante do que o dia. Ela resplandeceu ainda mais à luz do sol e os levou ao Sol da verdade, o Criador do sol, da lua, das estrelas e de toda a criação; levou-os a Belém como para o céu, para a pequena gruta e o tabernáculo extraviado.
Ao chegarem, porém, àquele lugar, a estrela lhes mostrou o que eles desejavam com um brilho intenso, como um dedo, e, ao completar seu serviço, ela desapareceu da frente deles. Quando, porém, eles viram sua estrela guia, ou melhor, o anjo que aparecia daquela forma, encheram-se de intenso júbilo (cf. Mt 2, 10), porque tinham alcançado o que vinham procurando. E viram um prodígio glorioso, pois quando estavam diante da criança recém-nascida, o primogênito dos séculos, de repente se viram cheios de graça, doçura e luz, e uma alegria indescritível banhou seus corações. No entanto, a vista e a fala da Mãe não desposada e completamente incorruptível foi o auge da graça e da glória, e a natureza de sua forma estava além de todo entendimento humano. Nela nada havia da costumeira dor e fraqueza do parto, mas encontrava-se radiante e extraordinariamente bela depois do nascimento, pois também ela estava cheia da graça e da luz da natividade, e era para todos coisa maravilhosa ver aquilo. Os Magos, persuadidos por todos esses milagres e esplendores, rejubilavam-se e davam graças ao Senhor. Foi por isso também que eles o adoraram humildemente como Deus e Rei, e lhe ofereceram presentes preciosos: ouro, incenso e mirra (cf. Mt 2, 11), como a um Rei e Deus e Àquele que se encarnou por nós e que caminha para a morte, de modo que d’Ele receberemos a imortalidade. No entanto, a graça do Espírito Santo também revelou que eles deveriam oferecer presentes tais que se tornassem para nós um modelo do oferecimento de tão espirituais dádivas, de modo que ofereçamos um caráter excelente e santo como o ouro, uma compreensão e intuição espiritual como o incenso, e uma mortificação das paixões e dos membros corporais como a mirra, da qual nasce a impassibilidade e pela qual recebemos o reino dos céus. Então se cumpriram as palavras da santa e toda bendita Virgem, como antes dissera: “O Todo-Poderoso fez grandes coisas por mim, e santo é o seu nome; eis que doravante todas as gerações me chamarão abençoada” (Lc 1, 49.48). Pois verdadeiramente, então, as suas glórias começaram a se manifestar e, ao final, sua glória, louvor e santidade abundarão ainda mais esplendidamente.
Assim, pois, os Magos encontraram o que desejavam. Viram o Rei da glória e o adoraram. Ofereceram-lhe dons visíveis, e com eles se ofereceram a si mesmos e a suas almas ao Senhor, e tornaram-se o início da conversão dos gentios e os precursores da aceitação do serviço a Cristo, os primeiros fiéis e adoradores de Cristo, pregadores e testemunhas de seu reino, pela oferta dos piedosos presentes, pela rejeição das mentiras dos judeus e pelo desprezo do domínio de Herodes: pois foram informados em sonho que não retornassem a Herodes, e partiram para seu país por outro caminho (Mt 2, 12).
Assim, pois, Cristo, o Rei de toda riqueza, escolheu a pobreza ao vir ao mundo e, por sua escolha, tornou-a honrosa. E, ó fiel, ao ouvir sobre a sua humildade e pobreza não deixes tua mente em tão grande pobreza, mas troca a pequena gruta e o tabernáculo indigno pelo céu dos céus, a pequena manjedoura pela estrela brilhante e o louvor dos anjos, os panos vulgares e as cobranças de impostos pelas dádivas e pela veneração dos Magos e a fé dos gentios. E, assim, não deixes que a humildade do Senhor diminua a elevação do conhecimento de Deus, mas tem ainda mais fé nos bens que foram exaltados e glorificados.
No entanto, quando a bendita Mãe viu tudo aquilo, seu coração encheu-se ainda mais de fé, esperança e amor por seu Filho e Rei, e passou a esperar por coisas ainda maiores e mais gloriosas, como verdadeiramente viu e com elas se satisfez. Assim, também, se manifestaram os outros sinais de sua humildade: pois após nascimento do Senhor numa indigna gruta e seu repouso na pequena manjedoura, oito dias se completaram para a sua circuncisão, e Ele recebeu o nome de Jesus, com o qual fora nomeado pelo anjo antes de vir a estar no ventre (Lc 2, 21), que era o nome da futura santidade pela qual é proclamada a ausência da paixão corporal e o dom da impassibilidade.
O massacre dos inocentes
E, no quadragésimo dia, eles levaram o menino Jesus a Jerusalém, para apresentá-Lo ao Senhor, como está escrito na lei do Senhor (Lc 2, 22–23). No entanto, não é inútil explicar aqui a divergência das narrativas dos Santos Evangelistas, uma vez que Mateus relata a fuga para o Egito, a ira de Herodes e o assassínio das criancinhas imediatamente depois da Natividade. Lucas, porém, conta a ida a Jerusalém no quadragésimo dia e a Apresentação de Jesus no templo, em seguida à Natividade. Fique claro, pois, que Mateus omitiu toda menção à Circuncisão, à ida a Jerusalém, à Apresentação no templo, a Simeão que o ergue nos braços e a outros acontecimentos que ocorreram no mesmo momento. E o que ele conta aconteceu depois de muitos dias, logo antes do segundo ano ou um pouco mais cedo (cf. Mt 2, 16):19 a visão do anjo por José, a fuga para o Egito e o retorno de lá. Pois é este o costume das Escrituras: acontecimentos ocorridos muito depois se juntam a outros que se passaram antes. O Evangelista Mateus indica o mesmo a seguir, pois diz que José recebeu uma ordem por uma visão, e veio à cidade chamada Nazaré, onde habitou, para que as palavras do Profeta fossem cumpridas: “Ele será chamado Nazareno” (Mt 2, 23). E de imediato acrescenta e diz: naqueles dias, veio João Batista, pregando no deserto da Judéia (Mt 3, 1). Mas a pregação de João foi trinta anos depois, e ele une essa narração ao tempo da Natividade. O mesmo acontece quando descreve a Natividade do Senhor, a chegada dos Magos, a veneração ao Senhor e o retorno a seu país: imediatamente ele acrescenta a fuga de José ao Egito com o Senhor e a Santa Virgem Theotokos. E, então, ele narra o massacre das criancinhas e o que se segue, como o Espírito Santo lhe deu a escrever. No entanto, pela graça do Espírito Santo, Lucas descreveu, depois da Natividade, o que Mateus deixou de fora acerca da Circuncisão: a ida a Jerusalém, a Apresentação no templo, Simeão que o levanta nos braços e as coisas que se seguiram, pois não foi dado a um único Evangelista descrever toda a divina economia, mas um descrevia certos feitos e milagres do Senhor e o segundo ou o terceiro descreviam outros. Assim, portanto, a explicação dessa questão é tal como eu disse.
Mas convém perguntar: como, então, foi Herodes imediatamente saudado e desafiado pelos Magos, mas sua ira e sua fúria não se manifestaram na época, mas só depois de muito tempo, porque ele era um homem muito ímpio e colérico? E como não diz Mateus se o menino estava escondido dele na época, ou se os Magos o levaram consigo junto com sua Mãe, pois entenderam a cólera dele, ou se foi levado de um lugar para outro, como aconteceu a muitos? Existe uma explicação verídica e igualmente fácil também para esta questão, pois nos foi revelado que naqueles dias em que os Magos vieram a Jerusalém e perguntaram pelo nascimento do menino, tendo Herodes malignamente mentido e, fingindo veneração, descoberto um modo de o assassinar, deflagrou-se grande conflito em sua família. Mas isso aconteceu pela Providência divina, que não lhe concedeu a oportunidade de perseguir o rei recém-nascido e Senhor de tudo. Esse conflito e tumulto nascera entre ele, por um lado, e sua esposa e seus filhos, por outro. Nessa época, ele conseguira o triunfo depois de um longo combate e de imediato matou a esposa, mas não conseguiu matar os filhos sem o consentimento do imperador: foi por isso que estava cheio de ódio contra eles. Ele partiu para Roma, para ver o imperador e dele obter o poder contra eles. E foi o que aconteceu: de lá recebeu a autorização. Ele voltou e estrangulou os filhos, saciando sua alma enlouquecida, demoníaca e homicida com o sangue deles. E quando a cólera contra eles saiu de seu coração, como se tivesse apaziguado um violento levante contra ele, pela segunda vez ele caiu em loucura e fúria ainda piores e mais malignas, e se lembrou da saudação dos Magos e do nascimento do Menino Rei. Ele temia que houvesse uma mudança de poder, pois era escravo da insaciabilidade e sedento de poder. Estava cheio de inveja e ira, e buscava a única criança que era o Rei de tudo. Voltou sua ira contra todas as crianças inocentes e, pela espada, matou impiedosamente todos os infantes que foram encontrados nas cercanias de Belém de dois anos ou menos, segundo a época em que interrogou os Magos (Mt 2, 16).
Ó, alma impiedosa, hostil a Deus! Como não se envergonhou ele do assassínio dos inocentes, quando o coração humano não conseguiria matar assim nem uns bichinhos, nem mesmo desejaria arrancar pela raiz uma grande semeadura de plantas sem alma, o que dizer de assassinar bebês humanos? Mas esse homem sem Deus não hesitou em sufocar mesmo os seus filhos já crescidos. Ah, como são maus o amor pelo poder e a inveja, raízes de todos os males! Um dos arcanjos, decaído da honra e do serviço de Deus, adiantou-se, e esse inimigo sedento de poder se transformou em Diabo e opositor de Deus. E a inveja também criou esse Belial, e por ele transformou o povo judeu em assassinos de Deus, e eles esqueceram os inúmeros atos de misericórdia do Senhor para com os desafortunados. Assim, pois, essas duas paixões guiavam malignamente o ímpio Herodes, e o transformaram em assassino, primeiro de seus próprios filhos, depois de um sem número de crianças inocentes; e, o que é ainda pior, ele pretendia matar o Rei e Senhor de tudo, matando Aquele pelo qual fora criado. Mas, ó Herodes, inimigo de Deus e amigo do Diabo, se as palavras dos Magos
eram ocas e falsas, por que temes e tremes? Se, pelo contrário, são verídicas e Aquele proclamado pelos Profetas havia chegado, como não compreendes que não podes matá-Lo? Homem cego e ignorante, que, por demasiada inveja chamaste para ti a cólera de Deus, também tu foste afastado do poder e da vida, e te tornaste comida de larvas antes mesmo de morrer, como convinha e como justamente merecias. E mesmo o teu tormento neste mundo foi horrível e pavoroso, para todos aqueles que viram a ira que caiu sobre ti, e na eternidade recebeste um tormento especialmente severo e duro no fogo da Geena, segundo os teus atos malignos. Voltemos, porém, a nosso tema original.
Quando a cruel sentença foi decretada pelo miserável Herodes, e a multidão de inocentes foi macabramente assassinada pela espada, sem dó, foi como que não apenas um incêndio incinerasse e demolisse Belém e seus arredores, mas aquilo chocou e horrorizou a Judéia inteira. E foi por isso que um Profeta já lançara um lamento sobre esse acontecimento havia muito: Ouviu-se uma voz em Ramá, luto, pranto e grande lamentação; Raquel chorava os seus filhos e não se consolaria, pois eles não mais existiam (Mt 2, 18; cf. Jr 31, 15). E assim deviam ser entendidas essas palavras: Raquel era a mãe de Benjamim, e quando ela morreu, foi sepultada na estrada para Éfrata, isto é, Belém (Gn 35, 19), pois Ramá é parte da tribo de Benjamim. E Benjamim era filho de Raquel, e a tumba de Raquel fica próxima desse lugar. É por isso, em razão de Benjamim e por causa do seu túmulo, que os infantes assassinados são chamados filhos de Raquel. Ela não se consolaria, pois eles não mais existiam. Esse não foi um mal de somenos; não teve qualquer explicação, tampouco houve lá alguma expulsão ou pilhagem. Foi completa a destruição e eliminação dos filhos de Raquel e Benjamim. E assim, também, Belém se tornou gloriosa e reverenciada, não só por outras glórias, mas sobretudo por esta. Belém cumpriu a Páscoa e foi o seu cumprimento. Ela sacrificou não só um cordeiro mudo, mas muitos, articulados e sem mácula, que haviam acabado de se livrar das dores do nascimento e, de súbito, foram enviados, pela espada, das dores desta vida passageira ao outro mundo, eterno, eles que mal haviam contemplado a luz visível, e de imediato, em razão da luz inteligível, perderam a luz passageira e foram transladados à luz sem ocaso. Esses heróis e mártires, coetâneos de Cristo, que, sem conhecimento, foram conhecedores da verdade antes de chegarem à maturidade, e foram assassinados no lugar d’Ele antes dos outros mártires, foram sacrifícios e oferendas a Cristo, oferecidos por Ele e a Ele antes mesmo da Paixão, por nosso bem; pois assim convinha que, com o aparecimento de Cristo em meio à humanidade, grandes virtudes se implantassem no mundo.
Por esta razão, não só a incompreensível e sobrenatural virgindade resplandeceu nessa Mãe Imaculada, mas a virtude da coragem e do serviço em prol de Cristo também foi demonstrada pelas criancinhas, e a terra foi purificada do sangue da impureza e do sacrifício aos ídolos pela efusão do sangue santo e inocente, que foi um precursor e uma prefiguração do glorioso sangue real derramado na cruz. Esta é a história até este ponto. Lembremo-nos, porém, mais uma vez, da Apresentação do doce Jesus no templo e das coisas que se seguiram, pois tudo isso é também louvor e glorificação da Mãe incorruptível e sumamente abençoada. E quando dizemos tais coisas acerca do Senhor, também ela toma parte na história e a ela é unida, pois fatos unidos por natureza não podem ser separados por palavras. Assim, pois, ocorreu a Circuncisão no oitavo dia depois da Natividade, e lhe foi dado o nome de Jesus, como dissera o arcanjo antes da concepção. No entanto, esse dia não foi só o oitavo, mas também o primeiro, o Dia do Senhor. Deu o anjo a Anunciação à Virgem no Dia do Senhor. A Natividade pela Virgem também aconteceu nesse dia. Também nesse dia ele ressuscitou dos mortos e elevou consigo a nossa natureza mortal e condenada. A ressurreição de todos e a sua segunda vinda na glória celestial, para julgar os vivos e os mortos, também acontecerá no Dia do Senhor. Esta é a razão pela qual esse dia da semana é honrado e glorioso, o santo Dia do Senhor, porque tais mistérios nele se cumpriram.
Trechos retirado do livro A vida da Virgem – Capítulo III.
De São Máximo Confessor.
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