E no sexto mês depois da concepção de Isabel, o Arcanjo Gabriel foi enviado por Deus à cidade de Nazaré, à casa de José, e transmitiu à Virgem Maria a gloriosa e maravilhosa Anunciação, inefável e incompreensível, fundamento e princípio de todos os bens.

E quando, como e onde ocorreu a Anunciação? Estava a Virgem jejuando, em oração, perto de uma fonte (cf. Proto-Evangelho 11, 1), por ter concebido a fonte de vida (cf. Sl 35, 10).

Era o primeiro mês, quando Deus também criou o mundo inteiro, para nos mostrar que agora renovava o mundo antigo uma segunda vez. Era o primeiro dia da semana, o domingo; nesse dia ele dissipou as trevas primevas e criou a luz primordial, e nesse dia ocorreu a gloriosa Ressurreição de seu Rei e Filho, no túmulo, juntamente com a ressurreição da nossa natureza; e não só era o primeiro dia, mas a primeira hora, segundo o que diz o Profeta: Deus a auxiliará pela manhã (Sl 45, 6).

Foram estas, portanto, as palavras do arcanjo, e quão cheias de mistério: “Alegra-te, ó agraciada!” (Lc 1, 28). Foi dito alegra-te com vista à destruição da tristeza original e do duro juízo, e em razão da nova graça que agora era dada ao entendimento humano, e agraciada por causa da riqueza de virtudes da Virgem e da graça derramada sobre ela.

Alegra-te, ó agraciada!
Alegra-te, ó agraciada!

E, como um dote, isto foi, em primeiro lugar, o compromisso do noivado imortal e a destruição da maldição original, que caiu sobre nós pela desobediência e erro de nossa mãe original, dando-nos, em vez da miserável tristeza, o dom do júbilo eterno; e, em segundo lugar, isto foi uma indicação da riqueza da noiva não casada: ambas as coisas proclamou o arcanjo.

Adicionou, então, “o Senhor está contigo” (Lc 1, 28). Esta é a riqueza inteira do Rei, é o cumprimento de sua promessa. A Palavra mesma de Deus, pela palavra além de todas as palavras, entrou no ventre da Virgem Santa. Ele mesmo se uniu à humanidade, não através de semente, mas pelo poder do Altíssimo e pela vinda do Espírito Santo. Ele mesmo era quem unia e quem era unido: Ele uniu as duas naturezas em uma única hipótese e foi unido à natureza humana pela graça. Ele mesmo construiu o templo de sua carne, como julgou conveniente.

O Senhor está contigo
O Senhor está contigo

Essas mesmas palavras, porém, “o Senhor está contigo”, eram também a destruição e aniquilação da maldição primordial lançada sobre as mulheres: pois o homem fora nomeado senhor da mulher, e a submissão da mulher ao homem fora decretada (cf. Gn 3, 16b). E o parto foi estabelecido acompanhado de dores e sofrimentos, por causa da desobediência original (cf. Gn 3, 16a); como testemunha o Profeta: Como quando a dor do parto chega na hora do nascimento, ela grita de dor (Is 26, 17). Assim, pois, não havia término para a servidão, a dor e a aflição das mulheres.

Quando, porém, disse o arcanjo à Virgem Santa: “o Senhor está contigo”, todas as dívidas do sofrimento foram suprimidas. O Senhor está contigo, e já não há o senhorio do homem sobre ti, nem a dor do parto; pois somente ela é verdadeiramente a Virgem elevada acima de todas as virgens, Virgem sempre Imaculada: antes do parto, no parto e depois do parto.

E não só a graça da perpétua divindade foi dada a ela, mas daí em diante ela se tornou a fundação da virgindade para outras mulheres, e por ela foi dada às mulheres a capacidade de serem virgens. Antes disso, as mulheres não conseguiam ser virgens, mas a bem-amada e santíssima sempre Virgem Theotokos Maria se tornou a fundação e causa da virgindade para as mulheres que a desejassem; pois, na verdade, ela também se tornou a causa e a fonte de todos os bens para os homens e para as mulheres, a gloriosa e santíssima Mãe do Senhor e Deus, nosso Salvador Jesus Cristo, o ornamento da natureza humana, cântico e júbilo dos anjos, intercessora pela humanidade e auxílio de todos os fiéis.

Mas como é completa e concisa a conclusão do discurso do anjo: “Bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1, 28); ou seja, mais que todas as mulheres, pois essas mulheres se tornaram dignas de bênção por ti, como o é o homem por teu Filho; e, ainda mais, as naturezas tanto dos homens como das mulheres são benditas por ambos, por ti e por teu Filho.

Bendita és tu entre as mulheres
Bendita és tu entre as mulheres

E como homens e mulheres foram punidos com a maldição da dor e da aflição para ambos, para Adão e para Eva, assim também a alegria e as bênçãos foram concedidas a todos por ti e por teu Filho.

Consideremos, porém, o caráter de inteligência da Virgem Santa e suas palavras cheias de sabedoria. Ela claramente não se opôs, nem foi incrédula, tampouco aceitou ingenuamente a mensagem de imediato. Mas, ao mesmo tempo, superou a Isaías na obediência cega e sem garantias (cf. Is 6, 8) e também a Zacarias no imenso ceticismo (cf. Zc 1, 9; 1, 19; 1, 21; 2, 2 etc.): ela se manteve no meio-termo e ficou muito perturbada, como convinha.

Não ficou muito perturbada com o aparecimento do arcanjo — pois já se acostumara muitas vezes à sua aparição, quando trazia o sustento para ela ao templo — mas pelas palavras que ouviu. Por esta razão, o Evangelista também explicou e disse: ela ficou muito perturbada com aquelas palavras e se perguntou que tipo de saudação poderia ser aquela (Lc 1, 29), pois, naquele momento, ela ainda não tinha consciência da profundidade do mistério, e estremeceu ante essa comunhão da natureza divina com a humana, e se perguntou como podia ser aquilo.

Mas o magnífico mensageiro Gabriel, embora não falasse com a Virgem, como se lesse os seus pensamentos, percebeu aquele raciocínio em sua mente. Ele não só dissipou o medo, mas também cultivou a alegria, e explicou o indescritível nascimento dizendo-lhe: “Não temas, Maria, pois encontraste favor ante Deus” (Lc 1, 30). O favor que ela encontrara era a honra e o nome de Theotokos, pois assim seria chamada, e verdadeiramente se tornou a Theotokos.

Encontraste graça diante de Deus
Não temas, Maria, pois encontraste favor ante Deus

Ela, com efeito, encontrou grande favor junto a Deus, pois se tornou a Mãe de seu Filho Unigênito. Ó favor mais alto que todos os favores, que a mente não consegue imaginar, que a linguagem não consegue descrever!

Agora, então, consideremos e examinemos a glória da noiva não casada e o dote da sua virgindade. Meditemos o que o arcanjo revelou com brevidade e clareza: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, e o chamarás Jesus” (Lc 1, 31).

Darás à luz um filho, e o chamarás Jesus
Eis que conceberás e darás à luz um filho, e o chamarás Jesus

Eis que conceberás: assim, naquele momento, com essa palavra ele a informou sobre a maravilhosa concepção. E darás à luz um filho, e o chamarás Jesus, porque o Pai d’Ele não está na terra: em seu nascimento humano Ele não tem pai, como não tem mãe em seu nascimento eterno.

E é por isso que o darás à luz sem um pai e o chamarás Jesus, que significa “Salvador”, porque não sofrerás nenhuma experiência das condições e dores maternas, mas como a concepção te foi dada sem semente, assim também o nascimento será sem corrupção e sem dor, e será para a Salvação do mundo inteiro; e esse ato será conhecido pelo seu nome.

Ele será grande e será chamado o Filho do Altíssimo (Lc 1, 32), quanto à sua natureza humana. Disse isso porque, em sua divindade, Ele é exaltado para além de toda glória, mas quanto à sua natureza humana Ele será grande e será chamado o Filho do Altíssimo, não só por causa da união hipostática, mas também por causa da vocação vinda do alto e pela confirmação com feitos maravilhosos.

Será chamado o Filho do Altíssimo
Ele será grande e será chamado o Filho do Altíssimo

E o chamarás Jesus; no entanto, mais tarde o Pai o chamará, do céu, “Filho bem-amado” (Mt 3, 17), e quando Ele começar a realizar incontáveis milagres, todos os sábios reconhecerão ser Ele o Filho do Altíssimo.

E o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi (Lc 1, 32): disse isso também de sua humanidade, pois com isso Ele começou a pregar o Evangelho e receber os que creem em seu nome, que o chamam trono de Davi e casa de Jacó.

E Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó; e seu reino não terá fim (Lc 1, 33): fala do reino infindável não só em razão da divindade, mas também em razão da humanidade, porque segundo ambas as naturezas não há fim para o seu reino, e Ele reinará sobre aqueles que receberem o seu reino pela fé.

Agora Ele reinará sobre aqueles que creem na sua palavra, mas, no fim de tudo, quando todas as coisas estiverem submetidas a Ele, como diz o santo Apóstolo Paulo, Ele deve reinar até que seus inimigos tenham sido colocados sob seus pés (1Cor 15, 25), pois submete todas as coisas sob seus pés; e quando todas as coisas lhe estiverem submetidas, Ele mesmo se submeterá àquele que lhe submeteu a tudo (1Cor 15, 27–28): Deus Pai, porque o chamou para submeter-se à deliberada sujeição de nossa natureza, pois assume os trabalhos de nossa vitória.

Consideremos, porém, a sabedoria da bendita e Santíssima Virgem e seu amor transbordante da virgindade. Ela acreditou na mensagem do arcanjo, mas se espantou com o que dizia. É por isso que ela respondeu dizendo: “Como pode ser isso, se não conheci nenhum homem? (Lc 1, 34); e nem seria possível, pois fui consagrada de modo imaculado a Deus, e sem um homem a concepção não é possível”.

Pois era este o seu medo e angústia: que ele decretasse a perda da virgindade, pois desejava firmemente, em seu coração, permanecer virgem até a morte, como nos contam os escritos dos Santos Padres. Ela desconhecia completamente não só as coisas do casamento, mas também as do desejo sensual, pois foi educada desde o começo em completa santidade e pureza de alma e corpo. E absolutamente nenhum desejo de paixão adentrou seu coração e sua mente e, sob este aspecto, ela era maior e mais elevada do que toda natureza humana.

É por isso que a sua beleza era agradável ao Rei e Criador de todas as coisas (cf. Sl 44, 12), que vê os pensamentos e examina os corações e os rins (Sl 7, 10). E Ele tornou santa a sua morada, e julgou conveniente habitar nela e revestir a nossa natureza a partir dela. É por isso que o seu arauto, mensageiro do mistério inefável, pôs fim a seu espanto e lhe explicou, como diz o santo Evangelista Lucas: “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra (Lc 1, 35).

O Espírito Santo virá sobre ti
O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra

Dizes: ‘Como pode ser isso, se não conheci nenhum homem?’. Mas não há necessidade de homem neste caso, pois o que cabe a ti não é como nas outras mulheres, assim como aquilo que será da criança que de ti vai nascer também não é nada semelhante ao de outras crianças humanas, concebidas no ventre da mãe e nascidas no pecado. No entanto, a tua concepção não será a destruição da virgindade, mas, acima de tudo, será o selo e a guardiã da pureza e nutriz da santidade.

Pois o Espírito Santo virá sobre ti para preparar-te e ornar-te como noiva digna do Senhor, e para santificar desde o princípio o teu santo corpo e alma, ornamentados de piedosas virtudes. E de imediato o teu imortal Noivo e Filho, que é o poder do Altíssimo, te cobrirá com sua sombra, pois Cristo é poder de Deus e Sabedoria de Deus (1Cor 1, 14).

Ele mesmo te cobrirá com sua sombra e construirá dentro de ti o templo de seu corpo santíssimo. E aquele que é imaterial e incorporal se revestirá de tua carne corporal e material. O poder e o esplendor do Pai vão cobrir-te na essência, e o Verbo do Pai se encarnará em ti. O Deus invisível mostrar-se-á visível como ser humano, e o Filho de Deus Pai será feito e chamado teu Filho; e teu Filho será chamado Filho do Altíssimo, e tua virgindade permanecerá incorrupta e intacta”.

“Ó acontecimentos maravilhosos e gloriosos! Ó inefáveis e incompreensíveis mistérios! No entanto, ainda que a imagem e semelhança da tua maravilhosa concepção e de teu incompreensível parto não se encontrem neste mundo, senão em milagres menores, crê em tal altitude e considera que Aquele que nascer de ti será chamado Santo e Filho do Altíssimo, capaz de fazer o que quiser. E eis que Isabel, tua parente, também concebeu um filho na velhice, e este é o sexto mês para ela, que foi chamada estéril. Pois nada é impossível para Deus (Lc 1, 36–37); mas tudo o que Ele quer se realiza em ato, instantaneamente.”

E, mais uma vez, examinai intelectualmente a grandeza da sabedoria da Santa Virgem e a firmeza de sua santidade. Enquanto houvesse dúvidas acerca de um homem segundo a ordem da natureza, ela não admitiria a concepção, mas disse: “Como pode ser isso, se eu não conheci nenhum homem? (Lc 1, 34). Embora sejas um arcanjo e me hajas anunciado mistérios sobrenaturais, não é, porém, possível que eu me haja unido com um homem para que a concepção de que falas pudesse acontecer”. Mas, uma vez que o arcanjo revelou a vinda do Espírito Santo e o abrigo da sombra do Altíssimo, ela se encheu de júbilo e acreditou que nada é impossível para Deus. Não ficou nem orgulhosa, nem altiva no pensamento, mas se valeu da maior humildade e mansidão. E disse Maria com reverência: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”. E o anjo se afastou dela (Lc 1, 38), pois quando cumpriu a missão que lhe fora confiada, ele se admirou da beleza da sua virgindade.

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A Virgem Santa, porém, teve de ocultar esse grande segredo no coração, pois estava cheia de sabedoria, como Mãe da Sabedoria, e não revelou a mensagem do anjo nem a José, nem a qualquer outra pessoa, durante aqueles dias. Por isso, alguns Padres interpretam as palavras que o Evangelista falou, acerca de José, que ele não sabia de nada até que ela desse à luz seu Filho primogênito (cf. Mt 1, 18–24), como significando que ele não sabia do mistério que a envolvia ou da Anunciação do Anjo ou da concepção sobrenatural. Pois se ele soubesse disso, como poderia ter tido suspeitas errôneas de que a concepção dela lhe parecesse vergonhosa? Como decidiu separar-se dela em segredo, até o momento do sonho com o anjo?

Trechos retirado do livro A vida da Virgem – Capítulo II.
De São Máximo Confessor.

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